domingo, 28 de março de 2010

Anos depois, num cemitério...

Não cuidem, enganados por este título fúnebre que fui localizar entre ossadas a inspiração ou a aproximação aos que, não buscando a morte com arma e veneno, a ela se referem como se fossem capazes de sorrir-lhe quando os vier buscar...
A redenção do género humano tão íntima aliança tem com a morte, que o divino filósofo, Jesus de Nazaré, filho de Deus, morreu para resgatar, depois de ter apostolado para convencer.
No cemitério, ninguém mente a ninguém. Aqui, a religião, refúgio dos pecadores; o silêncio, refúgio de tristes. No cemitério estão as pompas do eterno nada, adornado de mármore e de ciprestes. É aqui que tudo acaba, tudo, quero dizer, que vive da luz do sol e do ar do céu. Sei de cor os epitáfios mais pungitivos do cemitério da minha aldeia. Alguns com tamanhos erros de sintaxe que seriam estímulo a riso, se não ocorresse logo a ideia que toda a dor, bem ou mal exprimida, é sacratíssima sempre.
Lá está a sepultura de um dos meus amigos, com um epitáfio que termina assim:
“…Não perguntes quem foi, não chores, passa.”
É uma sepultura que visito há alguns anos, a dum amigo que o foi também de Matosinhos, o doutor Belo.
As cinzas de algumas sei eu que já foram formosas, graças, talento, paixões, virtudes e exemplos. Exemplos, digo bem.
A história dos grandes homens deve principiar a ser escrita à luz do seu túmulo. Lembro-me de que me dizia isto, quando indo a meio da minha mocidade, lhe dei a ler um poema que pretendia gravar na campa da minha avó. Maus versos, mas sentidos.
Triste berço embalou a minha poesia – um túmulo! Como não havia de sair ela enfezada e para pouca vida!
Mais tarde dizia-me que, se um dia, eu decidisse escrever a sério, os proprietários das gazetas haviam de recomendar-me menos política e mais idealidades, menos análises dos homens e mais ponderação de princípios. Tinhas razão, meu bom amigo.
Agora estou condenado a jejum nas minhas crónicas – até 2000 caracteres.
E abstinência – só de 15 em 15 dias!

segunda-feira, 8 de março de 2010

Vá lá a gente entender isto…

O estudo é recente e diz que “cerca de 63% dos portugueses toleram a corrupção…desde que produza efeitos benéficos para a população em geral”.
E que a maioria está convencida de que o primeiro-ministro mentiu no Parlamento, quando disse desconhecer o negócio da TVI. Desses, grande parte diz mesmo que essa mentira é injustificável. Mas, esta convicção não tem como resultado um corte radical com Sócrates. É que se as eleições fossem hoje, o PS reforçaria a sua votação. O que levará o eleitorado a reagir desta forma? A ausência de alternativas credíveis justificará a atitude? Existe ou não, entre nós a corrupção? Talvez, mas nada de violento - reconheça-se.
Modesta, envergonhada, pequena, inexpressiva, quando comparada com a corrupção a sério, pura e dura.
Haverá uma cunha aqui, um empenho acolá, um favor mais à frente, um cuidado especial mais ao lado - e não se passa disso.
Nada daquilo que se dizia do patrão do Chelsea, Abramovich, que terá feito fortuna à custa de negócios políticos, e das influências de velhos oligarcas próximos do Kremlin. Como me “esclarecia” um velho amigo:
- Corrupção? Corrupção? Isso é na Rússia, onde o Abramovich enriqueceu apoiado no Kremlin com os favores de uns políticos, pagando a outros e sacando recursos naturais à má- fila. Isso em Portugal não existe.
E – acrescentava, prudente e avisado – por cá, quem fez fortuna por meios ilícitos, já tem os meios suficientes para demonstrar que os meios foram lícitos. Praticamente, todos os dias somos confrontados com opiniões, notícias e comentários sobre a corrupção em Portugal.
É inegável que Sócrates, apesar de tudo, continua em grande nas sondagens. Os seus apoiantes não se cansam de elogiá-lo. Podiam era demonstrá-lo de modo mais caloroso e entusiasta. Digo isto, na presunção de que sofram também de alguma falta de liturgia, responsável por eventuais insuficiências aclamatórias. E avanço alguns procedimentos que, por certo, muito agradariam ao chefe e seus acólitos.
Assim, sempre que Sócrates chegasse a uma reunião, a um comício, a um congresso ou coisa parecida, os seus seguidores podiam deitar-se no chão, de barriga para baixo, oferecendo o respectivo lombo para que o chefe lhes pusesse os pés em cima. E quando o “chefe” se sentasse, poderiam soerguer-se devagarinho, ocupar os seus lugares sem qualquer ruído e, em silêncio, permanecer na sala até que ele decidisse usar da palavra.
Depois, de cinco em cinco frases, os presentes murmurariam «muito bem» e sempre que ele decidisse utilizar aquele tom levemente autoritário esticando o dedo, as pessoas gritariam «Viva a Pátria! Viva Portugal! Viva o glorioso engenheiro Sócrates»!
E logo que o discurso chegasse a um clímax, os ouvintes poderiam desfazer-se em aplausos de alguns minutos. No fim, quatro fiéis, previamente escolhidos, desmaiariam, enquanto seis, também pré-determinados, se fariam transportar em ombros.
Há alternativas? Mas quais?
As daquele partido que tem como candidato a líder interno um que diz ser “candidato a primeiro-ministro” – candidatura que, como se sabe, nem sequer existe? Azar o nosso, como diz o nosso primeiro.
Com tanto azar junto, se para empregar tantos artistas comprássemos um circo, até o anão crescia!…

segunda-feira, 1 de março de 2010

Chamou-lhe um Figo...

Estávamos em Agosto de 2009, a um escasso mês das eleições, portanto.
Atenta, veneradora e obrigada, a Ongoing, através do seu jornal, o Diário Económico, entrevistava Luís Figo.
O propósito de, através das respostas obtidas, evidenciar o apoio do futebolista ao político era cristalino. As perguntas eram precisas e concretas.
- Faz uma avaliação positiva deste governo? – perguntava o “inocente” entrevistador.
- No seu entender era desejável que o actual governo ganhasse as eleições? – continuava.
Mas, para que não restasse qualquer dúvida, o “artista” fez uma última pergunta suprema, definitiva, de forma a obter a resposta irrevogável:
- Fica claro em quem vai votar no dia 27 de Setembro?
E Figo, recebe no peito, amortece, roda e faz golo:
- Eu vejo a energia de José Sócrates, a capacidade empreendedora, e espero que continue a ter essa capacidade, de mobilizar o País. Bem precisamos.
Por mera coincidência, seguiu-se a formulação de uma arrojada estratégia para promover o Tagus Park no Japão e Estados Unidos, o contrato com Luís Figo e o pequeno almoço com o primeiro ministro – “acontecimento” a que alguns jornais e televisões deram o encomendado realce. Factos que, entre si, nada têm a ver, naturalmente.
Vejam bem a coisa: um futebolista retirado a promover um parque tecnológico português nos States e no Japão!
Não admiraria que Cristiano Ronaldo aparecesse agora, seguindo o exemplo de Figo, a promover o TGV, ou mesmo o novo aeroporto. Que podia muito bem - caso viesse a provar-se que Alcochete é mesmo um deserto – ser o da Ota, para gáudio do ex-ministro Lino.
C. Ronaldo, com aquele sotaque madeirense, bem podia convencer-nos de que o Terminal 2 da Portela não chegava, pelo que o Terminal 3 também não tardaria muito a não chegar.
E se o 3 ainda não chegasse, far-se-ia o Terminal 4, porque a gente não sabe o que vai ser o futuro.
Ora, o futuro, claro, passa pelo ar – sobre isso não há dúvidas – e o Terminal 3 poderia também não chegar para todos aqueles que têm de utilizar um aeroporto. Porque, no dia em que for tão banal um fim-de-semana em Paris como na Póvoa, em Viana, ou em Aveiro, imagine-se a utilização que terá aquele aeroporto “internacional”.
Arrisco mesmo a hipótese de um Terminal 5 e, quem sabe, se um Terminal 6, porque seis é meia dúzia e quando é meia dúzia pode a coisa sair mais barata.
Por isso – como diz a propaganda oficial – o que é preciso é avançar, mas avançar na direcção certa. Construindo os terminais na direcção devida, em breve estaríamos na Ota.
E desta forma original, manteríamos a Portela e construiríamos a Ota.
Um viajante do futuro, cujo avião ficasse no Terminal 21, estaria já na Ota. E com a vantagem de não ter de apanhar nenhum transporte para Lisboa. Poderia ir por aqueles corredores cheios de passadeiras rolantes, escadas rolantes, elevadores e carrinhos a apitar, até sair gloriosamente, na porta ao pé da 2ª circular.
E mais: se o voo continuasse a expandir-se, em breve juntaríamos o aeroporto de Sá Carneiro ao da Portela. O passageiro que entrasse em Pedras Rubras, apanharia a passadeira, e sairia na Portela de Sacavém.
Demoraria um pouco, é certo, mas não teria o incómodo de perder a bagagem.