quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Uma história financeira

Por esta altura são vários os jornais e revistas que nos trazem comoventes histórias de Natal. Nada de extraordinário. A não ser a revelação de talentos adormecidos durante o resto do ano.
Algumas são verdadeiramente originais; outras, nem por isso.
Como esta que me foi remetida por e-mail. Não pode ser catalogada como “história de Natal” . Nem como “carta de amor”. Nem como original.
É muito antiga, mas adapta-se perfeitamente aos nossos dias. E constitui até uma lição que o respectivo ministro pode - salvaguardadas as proporções devidas - aplicar à desesperada economia que, sem qualquer vislumbre de recuperação vai gerindo, atascando-nos cada vez mais.
É assim:
“Numa pequena vila e estância na costa sul de França, chove, e nada de especial acontece. A crise sente-se. Toda a gente carregada de dívidas; toda a gente deve a toda a gente.
Subitamente, um rico turista russo chega à recepção do pequeno hotel local. Pede um quarto e coloca sobre o balcão uma nota de €100. Recebe a chave e sobe ao 3º andar para inspeccionar o quarto que lhe indicaram. Com uma condição: a de desistir, caso o aposento lhe não agrade.
O dono do hotel pega na nota e corre ao fornecedor da carne a quem deve €100; o talhante pega no dinheiro e corre ao fornecedor de leitões a pagar €100 que lhe devia há algum tempo; este por sua vez corre ao criador de gado que lhe vendera a carne; o criador de gado corre logo a entregar os €100 a uma prostituta que lhe cedera serviços a crédito; agora é esta que logo que recebe os €100 corre ao hotel a cujo dono devia €100 pela utilização casual de quartos à hora, para atender clientes.
Neste momento o russo rico desce à recepção e informa o dono do hotel que o quarto proposto não lhe agrada. Decide desistir e pede a devolução dos €100. Recebe o dinheiro e sai.
Termina aqui – por agora – o círculo.
Não houve neste movimento de dinheiro qualquer lucro ou valor acrescido para nenhuma das partes envolvidas. Contudo – acrescenta a história - todos liquidaram as suas dívidas. E estes elementos daquela pequena vila costeira encaram agora com optimismo o futuro”.
Ora aqui está uma fórmula que – com licença dos ilustres economistas do governo – conduziria o país em 2010 a um déficit e a uma dívida pública iguais a zero.
Creio que, em Portugal – e não sei se este é um bom ou um mau sinal – as coisas não correriam bem assim. Pelo menos, para o turista russo.
Então porquê ? – pergunta-se.
Imagine-se que os sucessivos liquidadores da dívida em vez de irem a correr com o dinheiro na mão (como agora não se usa) iam antes depositar a verba, via multibanco, (como agora se usa) na conta do respectivo credor.
Como só no “dia seguinte” o dinheiro ficaria disponível, imagine-se o turista russo calmamente à espera que terminasse o ciclo!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Inatacáveis, diz Narciso!

A equipa é muito jovem: tem de vida uns três ou quatro meses. Se a experiência resulta do tempo de actividade e, sendo curto este tempo, então esta equipa é inexperiente.
Mas, segundo o seu criador, funciona na perfeição: uma verdadeira esquadrilha, preparada para os mais duros embates municipais. Eles vão a todas. Se o assunto é a Saúde, fazem o diagnóstico e apontam a solução; tratando-se das antigas promessas eleitorais de Sócrates naquela trapalhada das Scutes e portagens, lá estão para rebatê-las. Mas, se o problema for o IMI? Pois lá estão eles, atentos e vigilantes, a batalhar pela sua redução.
Agora – perguntar-se-á – e naquela “insignificância” dos 17 milhões de dívidas com perdões indevidos, qual tem sido o papel dos “eleitos”? –
- Fazem o que podem. E acredita-se que o melhor na conjuntura actual. Vou mais longe: nenhuma equipa seria capaz de melhor desempenho.
Mas – objectar-me-ão – então e a Deloitte, a Cepsa, os 17 milhões?
Pois, pois, mas “tirar a presa ao leão é difícil nesta selva”.
Tudo isto não passaria de mero funcionamento normal das instituições num sistema em que a decisão da maioria prevalece, quantas vezes ao arrepio do verdadeiro interesse das populações que servem. Ou deviam servir…
Decisões que, num regime democrático, por mais sensatas, equilibradas e justas que pareçam – ou o sejam, na verdade – não estão isentas de críticas, reparos e observações. Acontece que, a acção política dos “nossos independentes” – e vá lá saber-se porquê - não deve ser avaliada, e muito menos criticada. Antes, deve ser aceite, aplaudida e até reconhecida. Por outras palavras: devíamos, em vez de criticar a forma como a exercem, agradecer-lhes o sacrifício que por nós fazem. São horas que, podendo ser de ócio ou de actividade profissional, são empregues na melhoria do nosso bem-estar. É Narciso quem o afirma. E acrescenta que existe o direito à crítica, mas, quem critica não tem razão! Assim, a modos como “quem desdenha quer comprar”!
Está pois dado o mote para uma nova forma de encarar a crítica.
Se, por hipótese – hipótese remota, assinale-se - Narciso criticasse o presidente da Câmara é porque queria ser ele, Narciso, o Presidente.
E quando um escriba manifesta estranheza por uma ou outra escolha é porque queria ter sido ele, escriba, o escolhido.
E – é caso para perguntar – quando alguns elementos da oposição e, até o próprio Presidente da República criticam o empenho que o Governo – numa altura em que muitas outras preocupações justificariam prioridade e empenho - colocam na questão dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo é porque aspiram a um casamento destes?
Que os “eleitos” sejam capazes, combativos e determinados, nada a objectar. “Presunção e água benta, cada um toma a que quer”.
Mas, outra tolerância na avaliação das críticas – legítimas, há que dizê-lo – não ficaria mal a ninguém. O tal “bom senso” de que nos falava há dias Almeida Santos: “toda agente precisa de bom senso, inclusive o Presidente da República”. E se recordarmos que o nosso distante e ilustre filósofo René Descartes dizia que o bom senso é a qualidade mais bem distribuída do mundo, pois jamais ouvira alguém reclamar para si maior dose dele do que lhe havia cabido em sorte, estamos conversados. E justificados.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Ironia, sátira, crítica, censura ou “cartas de amor”?

“Julgando o dever cumprir,
sem descer no meu critério,
digo verdades a rir
aos que me mentem a sério.”
Agora esta:
“Os meus versos que têm eles
que façam mal a alguém?
Só se fazem mal àqueles
a quem possam ficar bem.”
Claro que já conhecem estas quadras. Exactamente! São de António Aleixo.
É verdade que foram escritas há muito, mas não passam de moda.
“Quem não tem cão, caça com gato” – diz o povo.
E quem não tem talento para censurar ou satirizar em verso – e quer expor publicamente os costumes, os ridículos e os defeitos públicos – recorre à prosa, chegando, por esta via, às “Cartas Abertas”, a que alguns prestigiados leitores chamam – imagine-se - “cartas de amor”. Nem mais!
É a fórmula alternativa para a exposição de vícios e hipocrisias, a denúncia de erros, incompetências, incoerências e ludíbrios. Servem tais “cartas” para apontar o mal, a suspeita fundada, o engano e o dolo, para abanar o cidadão anestesiado e manipulado, mostrar-lhe as batotas que jogam com ele, as sandices com que o encantam e exploram, os logros a que continuamente o sujeitam. Por outras palavras: denunciar a nudez do Rei, que mil e uma habilidades e traficâncias disfarçam de vestimenta!
Parada alta, sem dúvida, já que se exige o humor na ponta dos dedos (nas teclas, para ser exacto) porque o deleite de uns pode ser a indiferença de outros e o aborrecimento dos restantes.
Censurar deleitosamente, é voo de trapezista sem rede, pois também o escriba vive embaraçado nos próprios erros, vícios e enganos. Tal como os outros reis, disfarça a sua nudez com véus de falsa isenção e meia sabedoria.
As “Cartas Abertas” – é altura de o esclarecer - não reivindicam qualquer quinhão na literatura humorística, mas acusam-lhe a paternidade e orgulham-se dela.
Usam o riso com liberalidade e diversidade: por puro gozo ou desenfado, por intenção informatória e denunciante, por escape de verrumina e quezilência.
É difícil e complicado operar neste meio. Não chegam a intenção e o engenho (se o há q.b.) para que a sátira salte, para que a “carta” excite ou incentive.
Podia até – exagerando - chamar corrupto a qualquer um, menos ao honesto.
Não poderia – ou não deveria - era promover a inocente um culpado, nem a inteligente a cavalgadura ou a modesto o pavão.
A sátira, a crítica jocosa, a ironia, seja em artigos de opinião, seja nas famigeradas “cartas” não prescinde da verdade, como alimento e essência. Exagera-a, para deleitar!
Mas, comedidamente. Porque, em pretendendo-se ridicularizar a prepotência sem o enquadramento e o tempero devidos - e sem “qualquer coisa de verdade” como, noutra quadra, nos fala o Aleixo - o benefício pode sair ao prepotente! E quem sai ridicularizado é o escriba…
Como acontece muitas vezes, aliás!

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Carta da menina pobre ao presidente rico

Foi por uma manhã fria de Novembro. Sentava-me à mesa da confeitaria quando uma vozita de criança surgiu: «senhor, compra pensos para as feridas». E depois: «senhor, uma moeda para comprar pão».
- «Eu compro – disse-lhe». E ela: «senhor, pede para pôr manteiga no pão». Pedi pão com manteiga e leite, e convidei-a sentar-se à minha mesa. A menina tomou o leite, mas guardou o pão na sacola que trazia. «O pão é para o meu irmãozito que está em casa com fome».
De repente, lembrei-me de a ter visto há muito tempo. Sempre junto aos semáforos, olhos pretos muito vivos e pele morena teria uns sete, oito anos. Saltitava com os pensos rápidos na mão, quando “pintava” o vermelho. Os carros partiam, e a menina baixava os olhos tristes. Um dia dei-lhe uma moeda de dois euros. Quis entregar-me os pensos e o troco. Que ficasse com as duas coisas – disse-lhe. Recebi em troca o mais luminoso sorriso de toda a minha vida.
Que agora já sabe ler e escrever - confidenciou-me. E já tinha escrito uma carta ao presidente, mas não tinha portador. «Dá-me a carta que eu levo-a». - «O senhor é carteiro?» - «Tenho alguma apetência para a função» – respondi-lhe, estribado no diagnóstico que há dias me fez o amigo Queirós.
E lá tirou a menina da sacola uma folha A4, dobrada em quatro: era a carta.
Traslado-a sem lhe tirar, nem acrescentar uma vírgula.
«Chamo-me Raquel tenho 11 anos vivo em Matosinhos e escrevi o ano passado uma carta ao senhor presidente escrevi-a tão devagarinho para a letra ficar bonita reli-a tantas vezes para não cometer erros se algum escapou peço desculpa mas não pude ir a todas as aulas porque tinha de cuidar dos meus 3 irmãozitos, o Xico com 5 aninhos o Adão com 3 e a Juca com 2 o meu pai estava na cadeia a minha mãe desempregada e a minha irmã mais velha a Vanessa com 18 anos só chegava a casa ao ser dia dizia que andava a vender o corpo isso eu não percebia porque ela chegava a casa com o corpo todo. Porque não me respondeu o senhor presidente não sei pergunto se recebeu a minha carta porque não a leu e se a leu porque não respondeu eu só pedia uma roupinha para cobrir o Xico que anda a tremer de frio umas sapatilhas para o Adão e uma tigela com desenhos de flores para a Juca comer a sopa que eu lhe faço com água e aparas de carne que me dá o senhor Antero do talho quando os cães se atrasam que as aparas são para quem chega primeiro e às vezes são os cães e para mim queria só uns chinelos para trocar por estes que já foram botas.
O senhor Antero que é um homem muito rico e gordo às vezes também me dá uma moeda para eu ir comprar chocolate para mim para o Xico para o Adão e para a Juca quando quer ficar sozinho com a minha mãe na rulote onde moramos desde que fomos despejados e diz para entrarmos só quando a rulote parar de baloiçar e nós ficamos cá fora os quatro até que a rulote pare de baloiçar então já podemos entrar só não entendo como podem eles gostar mais de baloiçar a rulote do que de chocolate.
Se desta vez a carta chegar ao senhor presidente peço-lhe que se lembre também dos outros meninos e dos seus pais e avós aqui do bairro que não têm emprego nem reforma que se veja e também passam fome e desejo muita saúde para si e para os seus amigos ricos».