Chama-se "Antes da glória”. É um livro que fala de Narciso, da sua infância e juventude. Não invento tudo! Os episódios narrados têm um fundo de verdade. Limito-me a criar-lhes um enquadramento. Semelhanças com a realidade – se as houver - que sejam perdoadas. A ficção, às vezes, parece cópia daquilo que podia ser. Ou é! Como este, em que Narciso, por pouco era pai. Não ganhou para o susto! Anos sessenta. Uma namoradinha, a Celeste (nome fictício), e um long-play dos Beatles comprado a meias.
Transcrevo o primeiro, tal e qual se acha escrito no livro. Não podia, neste dia de paragem da campanha escrever outras coisas?
- Podia; mas não era a mesma coisa!
«…Os Beatles ouvidos em casa dela, ao serão, os pais deitados já, o Paul McCartney e os outros, o Lennon, o Harrison, o Ringo muito fixes, fazendo acompanhamento aos seus beijos e abraços, Celeste de olhos húmidos, abandonada, desfeita – e estava nisto quando Narciso, bem educado disse: «É tarde. Os teus pais hão-de querer dormir, devem achar que são horas de eu ir andando…».
Celeste, muda e quebrada, desligou molemente o gira-discos, pegou-lhe na mão, foram pelo corredor, frente à porta do quarto dos pais Celeste falou – «amanhã é sábado. Telefonas-me? », desceram as escadas até à porta da rua, Celeste abriu-a mas fechou-a com estrondo antes que Narciso saísse.
«Pssst…». Tinha um dedo sobre os lábios e o nariz bicudinho silenciando as perguntas do namorado surpreso. Sentou-se no degrau, dobrada sobre os pés de Narciso, tirou-lhe docemente os sapatos, depois segurou-o pela mão, puxou-o escada acima, ele meio parvo, sem querer ir, mas indo.
De novo o corredor, viagem de volta, Celeste fazendo o barulho dos passos calçados, Narciso no seu silêncio de peúgas e medo. «Pssst…» fez ela mudamente, o que disse alto e bom som foi «até amanhã!», e do fofo recato do seu leito, pai e mãe, à uma, responderam: «Até amanhã, filha!».
Narciso sentiu-se abraçado e empurrado com brandura para dentro de um quarto, era o quarto de Celeste - «mas tu estás doida?!» -, ela enroscando-se, uma voz de mimo, «eu queria estar mais tempo contigo…», Narciso à deriva entre dois desejos, o de ficar e o de partir, foi ficando, sentados ambos sobre a colcha de seda com desenhos de borboletas. «Não te zangues, podem ouvir-nos…». Pendurou-se mais no corpo trémulo de Narciso, tombaram sobre as borboletas da colcha, de súbito Celeste deu um salto e um gritinho «ai que amarroto o vestido!» - e acto contínuo tirou-o. Narciso queria protestar, não protestou, estava de olhos e vida parada no soberbo corpo nu. Deu um passo para a agarrar, Celeste recuou - «despe-te também!» - era uma ordem, obedeceu numa pressa cheia de ansiedades, ficou de cuecas porque tudo na vida tem os seus limites. Grave seria também amarrotar a colcha das borboletas – lembrou ela e a tempo – acabaram por se deitar como deve ser e, já agora por se despir como deve ser. Narciso desejou mais, pudera, mas Celeste disse que não, só quando chegasse o momento próprio, o que tardou um comprido quarto de hora. Moça fogosa e de muita iniciativa, foi decidindo de outros momentos próprios, tomara o comando, punha e dispunha, programava, agora assim, agora assado, e foram seguindo à descoberta, viagem louca, a todo o pano, a volta ao mundo, Celeste ao leme…».
Podia continuar? Podia, mas não há espaço. E, nove meses depois de terem comprado o disco dos Beatles não nasceu nenhuma criança por ali!
terça-feira, 29 de setembro de 2009
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Fantástico!
ResponderEliminarMas, onde está o livro?
Pela amostra, deve ter muito, muito interesse.
Onde posso adquiri-lo?
Acompanho com regularidade as crónicas do engenheiro Heitor Ramos, e sigo com atenção as suas opiniões.
ResponderEliminarObrigado pela categoria.
Matosinhos precisa de homens que saibam dar valor à obra feita. E a Narciso Miranda.